“Overview” é um vídeo produzido pelo Coletivo Planetário que reúne depoimentos de pessoas que foram profundamente impactadas por uma experiência rara e espetacular: ver o planeta terra a partir do espaço sideral.
Curiosamente, as transformações de visão descritas pelos astronautas são muito semelhantes às transformações que podemos vivenciar ao participar de conversas profundas.
Selecionamos alguns trechos do vídeo, com comentários livres a partir de experiências de participação em conversas que nos foram significativas.
Quem quiser assistir o vídeo antes (cerca de 20 min), ele está disponível no seguinte link, vale a pena:
1:38 – “Quando fomos à Lua, inicialmente o nosso foco absoluto estava na Lua. Não pensamos em olhar para trás, para a Terra. Mas agora que o fizemos, [acreditamos que] essa deve ter sido a razão mais importante para termos ido até lá.”
Nas conversas profundas que nos marcaram, nosso engajamento normalmente começa pelo tema em pauta. No decorrer da conversa, especialmente quando ela toca em questões delicadas sobre as quais não havíamos atentado, ela nos obriga a olhar para nós mesmos. Momentos em que somos capazes de ouvir profundamente falas de desconforto ou de emoção, que nos senbilizam, nos chamam para uma revisão de postura e nos fazem sair da conversa com a convicção de que a maior contribuição foi este encontro conosco mesmo… deixamos de olhar apenas para a “Lua” e, dentro de nós mesmos, percebemos que existe a “Terra”.
9:24 – “[A atmosfera] é uma linha muito tênue abraçando a superficie do planeta. Qualquer pessoa que tenha ido ao espaço tem a mesma percepção, porque é mesmo impressionante mas ao mesmo tempo perturbador, ver esta camada de papel fino e perceber que ela é tudo o que protege os seres vivos da morte, dos perigos do espaço.”
São igualmente tênues e sutis os elementos que diferenciam os espaços de conversa “seguros”, que convidam a relações profundas e produzem a confiança necessária para a expressão de nossas vulnerabilidades. Um espaço relacional fino e frágil, como a atmosfera terrestre, permite que conversas transformadoras aconteçam. Criar e sustentar este espaço faz parte da arte de ser anfitrião de conversas significativas.
11:08 – “Na literatura antiga encontramos uma descrição chamada Savikalpa Samadh que significa: ver algo com os teus olhos enquanto também as sente emocionalmente e viceralmente, como um êxtase, com um senso total de união e unicidade.”
Talvez exista outra palavra na literatura antiga para “ouvir algo com os próprios ouvidos enquanto também as sente emocionamente e viceralmente, como um êxtase com um senso total de união e unicidade”. Esta seria a correspondente a Savikalpa Samath para as conversas significativas profundas. As vulnerabilidades, citadas no trecho anterior, quando expostas em campo seguro e aberto à escuta, nos colocam frente a frente com o mais profundo da condição humana, que nos une. As barreiras que nos separam uns dos outros e do mundo desaparecem, uma sensação de profunda união se instala e percebemos como tudo está interconectado.
12:03 – “Dentro da cultura ocidental, [a noção da unicidade] é nova e chocante até, porque existe muito mais uma filosofia de separação.”
No nosso trabalho como facilitadores e anfitriões de processos colaborativos na CoCriar, nos deparamos com este aspecto de nossa cultura ocidental a todo momento. Nas diversas organizações, a separação se traduz na fragmentação entre áreas, nos pedidos por processos de integração, nos trabalhos realizados duplamente por falta de comunicação, no desperdício de saberes acumulados pela equipe.
Por sua vez, a “nova e chocante” experiência da unicidade se evidencia na surpresa aliviada dos participantes que se percebem pertencentes a um grupo guiado por um mesmo propósito, ou se reconhecem entre pessoas que enfrentam os mesmos desafios e estão em busca das mesmas soluções, ou simplesmente sentem que puderam contribuir para o surgimento de uma inteligência coletiva que costuma ser maior do que a soma das inteligências individuais.
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A experiência descrita em Overview é especial para o indivíduo e muito necessária para a humanidade. A boa notícia que ela pode ser experimentada de forma bem mais acessível – sem a necessidade de investimentos de bilhões de dólares – por meio de conversas significativas e profundas.