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A época do chefe que sabia tudo acabou, diz Sérgio Souza
Este artigo é um entrevistado da série Gestão com Envolvimento, que nos dá a oportunidade de conhecermos líderes que acreditam no diálogo e no engajamento para alcançar os melhores resultados.

Protagonistas em suas áreas de atuação, estes homens e mulheres lidam com diversas pressões internas e externas, mas ainda assim optam pela abordagem colaborativa para lidar com seus desafios.

Dialogar com a equipe para criar soluções que colocam a empresa, como um todo, no rumo do sucesso

Sérgio Souza ocupava um cargo técnico quando foi convidado por um supervisor a assumir um cargo de gestão. Liderando aquela que era sua antiga equipe, não havia como sustentar a postura do chefe distante e detentor de respostas. 

Essa experiência de ser tanto um outsider, entre os outros gestores mais experientes, quanto um líder orgânico, por ter ascendido da própria equipe, moldou sua visão sobre o mundo corporativo.

Anos depois, Sérgio teve a oportunidade de implementar um programa de cultura organizacional em uma multinacional alemã. Ao experimentar esta posição e seus desafios, Sérgio se apaixonou pela área de desenvolvimento pessoal. Depois de finalizar o projeto, tentou voltar para uma área de negócios, mas não havia mais jeito, a paixão por transformar vidas já havia tomado o coração desse líder ávido por aprender e ensinar.

 

Conte um pouco sobre Sérgio Souza e sua trajetória profissional?

Fui executivo de multinacionais por quase 30 anos: passei 27 anos em uma só empresa, depois saí para outra multinacional alemã e depois resolvi mudar de vida. Sempre trabalhei com tecnologia e serviços. Em 2013 fiz um trabalho de cultura organizacional na multinacional em que atuava, fiquei três anos nessa área e não consegui mais voltar para a área de negócios. Tive uma experiência de um ano em outra empresa alemã, mas decidi fazer uma transição. Fiz formação em coaching, PNL (programação neurolinguística), facilitação e mais recentemente em Neurociências. Assim passei a atuar como consultor.

 

Você se considera alguém que gerencia com envolvimento?

Sempre fui considerado um dos líderes mais humanos da empresa. Olhando hoje, numa escala de zero a dez, eu era nota um ou dois. Fui criado numa época em que o líder era quem sabia mais, normalmente aquele que era um bom técnico na responsabilidade da área Lembro de muitas reuniões em que não havia informação para uma tomada de decisão, mas ninguém assumia este fato, afinal líderes precisavam saber. Foi num trabalho de cultura organizacional que fiz, onde tive a oportunidade de levar à empresa um treinamento de inteligência emocional, que percebi que essa dinâmica de liderança poderia ser muito diferente.

 

Como era a sua liderança com a sua equipe?

Sempre fui muito aberto porque eu tinha uma carreira meio fora dos padrões. Eu era técnico de campo e houve uma série de contingências, inclusive de ordem ética, que me catapultaram de uma posição operacional para gerente em uma regional. Não tinha como eu sustentar uma postura de quem sabia muito, eu era o cara que estava ontem ali no meio da equipe e no outro dia tinha que apresentar resultados como gestor. Eu dizia para minha equipe “Não sei disso, então, me fala aí”. Eu sabia que não sabia. O meu time era os meus antigos colegas de trabalho, então, eu conhecia as histórias de todo mundo. Isso me ajudou a ter um estilo mais próximo e eles ajudaram muito.

 

Como você aprendeu a ser líder?

Assuntos como mentoria, liderança, coaching, desenvolvimento humano, autodesenvolvimento, na minha época não eram realidade nas empresas. Você ia fazer um curso de feedback e era um curso utilitário, na linha “anote o que ele fez de errado e diga o que tem que fazer”, “faça um plano de ação e vá lá”. Eu trabalhava numa empresa alemã, éramos orientados a processos e a entregar resultados.

 

Eu realmente acho que há uma crença real de que a gente, como gestor, sabe de tudo. Há uma crença profunda de que o cargo traz sabedoria e que sabedoria significa onipotência. O gestor vai tentar encaixar o problema em algo que ele já conheça, porque aí ele vai ter o que falar.

 

Como foi a experiência de levar para a empresa o treinamento de Inteligência Emocional?

Esta foi uma experiência mais recente. Éramos um pequeno grupo coordenando o projeto de transformação cultural e decidimos por trazer um palestrante para falar sobre isso. Quando demos a ideia, fomos questionados: “vocês querem parar 120 top líderes da empresa para falar sobre emoções? É sério mesmo?”. Foi difícil de aprovar, mas depois foi um sucesso.

 

Quais foram seus maiores sucessos na gestão, com envolvimento dos seus colaboradores?

Meus ex-funcionários sempre falam que eu sou muito exigente, mas eu sou muito exigente para o crescimento do grupo. Fiz algumas grandes mudanças e as pessoas embarcaram. Desenvolvi projetos como criar uma área nova na fábrica em Curitiba e gerenciar uma departamento com pessoas de diversos países. Passei 3 anos na Alemanha, onde costurei projetos com equipes de outros países, alinhando as diferenças de cada um. Eu diria que uma característica minha é essa capacidade de criar um senso de grupo. Lembro que no meu segundo ano de gestão, ainda na regional de Salvador, logo na minha primeira posição gerencial, tivemos o primeiro resultado positivo da equipe. Isso foi conseguido porque eu abria os dados para o time e eles começaram a dar ideias.

 

Quais são, na sua visão, os maiores obstáculos para o gestor adotar essa prática de envolver a equipe com as decisões?

Eu realmente acho que há uma crença real de que a gente, como gestor, sabe de tudo. Há uma crença profunda de que o cargo traz sabedoria e que sabedoria significa onipotência. O gestor vai tentar encaixar o problema em algo que ele já conheça, porque aí ele vai ter o que falar. Lembro de muitas reuniões em que alguém trazia um exemplo do passado, dava uma carteirada e pronto, sendo que lá atrás a tecnologia não evoluía tão rápido. Havia a ilusão de que o chefe dominava todas as habilidades. Hoje, isso não é mais possível. Mas ninguém quer admitir os erros ou admitir que não sabe na frente dos outros. A alta gestão das empresas no Brasil ainda é masculina, branca e formada nas ditas faculdades de primeira linha. Muitas vezes planos de negócios são colocados em apresentações, mas é sabido que são grandes as chances de não serem alcançados. Convivi com muitas empresas e a única mulher na diretoria, normalmente, era a de RH. Nesse ambiente é muito difícil que alguém diga “eu não sei” ou “estou com dificuldades na minha equipe” porque a pessoa pode ser vista como fraca, como alguém que não suporta pressão.

Nós fomos ensinados, como gestores, a consertar o mundo, ninguém nos ensinou a olhar para nós mesmos. Enquanto as pessoas não entenderem que precisam gerenciar o tempo interno delas de outra forma, a improdutividade e o estresse vão aumentar. A vida não pode ser só isso.

Você sente que este perfil está mudando?

Sim. Antes, as informações eram limitadas na empresa, só chegava na equipe o que o gestor deixava passar. Hoje mais gente tem acesso a uma gama enorme de informações e o gestor não consegue acompanhar sozinho todas as mudanças. O gestor deixou de ser a única fonte de cultura, a única fonte de comunicação, esse domínio pelo monopólio da informação caiu – no mundo e nas empresas.

Quais são os seus jeitos preferidos de aprender?

Eu leio muito e adoro podcasts porque consigo treinar, passear com os cachorros, lavar os pratos e ouvir. Criei o podcast “Diallogus”, que está disponível nos agregadores Apple, Google e Spotify. Ouço muitos podcasts, tanto pelo conteúdo em si quanto pela meta aprendizagem. Leio bastante e estudo muito, ensino formal mesmo. Vou a várias fontes diferentes e conecto os pontos.

Quais gestores são referências para você?

Quatro gestores me marcaram ao longo da vida. Na infância, tive um professor de português, no Mosteiro de São Bento (BA), que também era o diretor do colégio. Era uma época que tinha que mostrar se as unhas estavam limpas para poder entrar na escola e esse ele, muito duro, tinha um coração que não me recordo de ter encontrado igual na vida. O segundo foi o gestor que me promoveu quando eu era um técnico básico, bateu o olho e me deu uma chance, mas ao mesmo tempo não aliviou a pressão: ele me tratava igual aos outros. Então eu tive que acelerar para acompanhar. O terceiro foi o presidente dessa mesma multinacional. Me lembro de um dia em que ele foi me dar um feedback e me pediu para sentar na ponta da mesa. Ele disse que ficou horas pensando no que ia me dizer até que encontrou algo. E aquele ponto de desenvolvimento que ele destacou, eu de fato tinha e ainda não havia me dado conta. Às vezes, quando erro, lembro de mim sentado na pontinha da mesa e ele fazendo aquela análise certeira… E meu pai, que me transmitiu o valor de trabalhar duro e ser honesto.

 

Que conselho você daria para gestores que estão atuando em quarentena?

A resposta não serve só para os gestores… a gente precisa separar o tempo da gente do tempo lá de fora. O que a gente mais ouve é que o mundo está muito acelerado – e dentro da empresa, pior ainda! Fiz um trabalho para um grande banco e uma das gestoras disse: “fui sequestrada pela minha agenda”. Ela se sentia refém da própria agenda! A gente precisa separar algumas horas para gerenciar o que acontece dentro da gente. A nossa máquina não responde a essa velocidade de mudança de estímulos tão constantes. Tem gente que toma um remédio para acelerar de manhã e de noite toma um remédio para dormir. Vai de uma reunião para outra, não se alimenta, não bebe água. Nós fomos ensinados, como gestores, a consertar o mundo, ninguém nos ensinou a olhar para nós mesmos. Enquanto as pessoas não entenderem que precisam gerenciar o tempo interno delas de outra forma, a improdutividade e o estresse vão aumentar. A vida não pode ser só isso.

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