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Conhecer as linguagens de cada conversa para gerar engajamento de públicos diferentes – entrevista com Fernanda Ferraz
Este artigo é um entrevistado da série Gestão com Envolvimento, que nos dá a oportunidade de conhecermos líderes que acreditam no diálogo e no engajamento para alcançar os melhores resultados.

Protagonistas em suas áreas de atuação, estes homens e mulheres lidam com diversas pressões internas e externas, mas ainda assim optam pela abordagem colaborativa para lidar com seus desafios.

Desde o início de seu caminho profissional até hoje, Fernanda Ferraz precisou conviver com a alteridade.

Dos mais de 10 anos em que trabalhou na Natura e esteve diretamente envolvida na relação da empresa com comunidades tradicionais na Amazônia, carrega consigo aprendizados que informam e influenciam até hoje suas decisões como gestora.

Olhando para trás, percebe que seu amadurecimento pessoal e profissional trouxe mais sabedoria para escolher estrategicamente as batalhas em que quer se engajar, além de mais resiliência e altruísmo para ouvir e compreender o outro.

Mas algumas coisas não mudam: Fernanda sempre acreditou no potencial das empresas para gerar impacto socioambiental positivo. Hoje, é Gerente de Performance Social na Raízen, empresa referência global em bioenergia, e que tem como propósito redefinir o futuro da energia.

 

Conte um pouco sobre quem é você e sua trajetória?

Sou Fernanda, uma mulher de 42 anos, branca, mãe, casada e feliz com minha trajetória profissional. Recém formada em Direito e trabalhando na Natura, recebi o desafio de fazer um levantamento profundo da legislação ambiental. Foram três meses em uma sala, debruçada no tema para apoiar a empresa num grande projeto de certificação de boas práticas de gestão ambiental. Ali, minha vida começou a mudar. Me conectei com essa agenda ambiental e de desenvolvimento humano.

Passei a me interessar pela origem dessas normas, fiz uma especialização em Direito Ambiental, e comecei uma jornada de contato próximo a comunidades da Amazônia. Atuei diretamente no processo que resultou na assinatura do primeiro contrato de repartição de benefícios do Brasil entre uma empresa e uma comunidade tradicional da Amazônia. 

De lá para cá, foram anos de atuação na agenda de inovação e o desenvolvimento de cadeias produtivas com bioinsumos e com educação ambiental para lideranças corporativas e para jovens da Amazônia. No meio do caminho, vivi um período sabático onde pude estar completamente voltada à maternidade e aos estudos sobre educação infantil. Empreendi como consultora de grandes empresas, como a Coca-Cola, e a Gestão para a Sustentabilidade passou a ser parte da minha rotina.  Hoje, sou responsável pela agenda de Performance Social na Raízen.

 

O que significa fazer Gestão com Envolvimento para você? Você considera que faz gestão envolvendo as pessoas?

Para mim não existe gestão sem envolvimento. O gestor que acredita que é senhor do saber, está fadado ao erro. É preciso entender que seu time é uma rede pessoas com potencias diversas. Como gestora,  busco cultivar a escuta ampliada e a confiança no outro para acessar todos os campos de atuação e possibilidades de transformação. Se conseguirmos estabelecer essa confiança e perceber que está todo mundo olhando para uma mesma direção de propósito, o trabalho flui.

Mas, na maioria das vezes, as pessoas não esperam que você abra conversas de um lugar mais verdadeiro, mais genuíno. É uma jornada.  Em geral, sentem-se lisonjeadas por estarem sendo ouvidas e, ao mesmo tempo, ficam surpresas. Com o tempo, vão percebendo a potência desse espaço seguro.

 

Em que situação desafiadora você optou por fazer gestão com envolvimento?

Como Gerente de Performance Social da Raízen, sou responsável pela gestão da Fundação Raízen, que desenvolve projetos de educação para crianças e adolescentes nas localidades em que a empresa opera. Quando a pandemia começou, precisamos preparar rapidamente as sete unidades da Fundação para o modelo remoto, sendo uma delas para Educação Infantil. Nosso time precisava aprender a se relacionar com os alunos de outra forma, para que não tivéssemos um ano perdido.

Incluímos os educadores para pensar junto, ouvimos as famílias e entendemos que o melhor espaço para a nova sala de aula seria via Whatsapp. Neste formato, alcançamos 95% dos nossos alunos. Educadores passaram a elaborar conteúdos em formato de cards e oferecemos  também, para os alunos, um diário de bordo para trabalho individual. Começamos a monitorar as reações aos poucos – quantas visualizações, quantas interações… Quando o formato estava sólido, passamos a oferecer mentorias online. Coordenamos uma campanha de voluntariado massiva na Raízen e conseguimos conectar cerca de 400 mentores com 400 mentorados, alunos da Fundação Raízen. O final dessa história foi celebrado por meio de uma formatura online com mais de 800 participantes.

No segmento da educação infantil, nossa maior preocupação foi com a segurança alimentar de crianças, que faziam 5 refeições por dia na Fundação Raízen. Foi então que trouxemos nossos fornecedores de refeição para o diálogo e transformamos refeições em cestas básicas. Foram cerca de 23 toneladas de alimentos distribuídas. Além disso, todos os dias letivos foram cumpridos em parceria com as famílias.

Tenho certeza de que isso se tornou possível porque fomos criando espaço para as pessoas assumirem papéis, convidando outras pessoas para se envolverem.

 

O que fez você achar que poderia fazer bom uso do apoio da CoCriar nos momentos em que nos contratou?

O trabalho que desenvolvemos durante o segundo semestre de 2020, de criação de um Plano de Desenvolvimento Local para uma das comunidades em que a Raízen atua, tinha como premissa ouvir muitas vozes. O Plano era uma abordagem colaborativa, uma estratégia para que o resultado fosse mais adequado à realidade local, para engajar e ouvir colaboradores de diferentes áreas e para que meu time desenvolvesse habilidades de condução de conversas. Com a execução e acompanhamento da CoCriar, foi possível atuar nas três esferas ao mesmo tempo. Tenho uma confiança grande na CoCriar, fruto dos bons resultados vividos em outros contextos de negócio.

 

Para mim não existe gestão sem envolvimento. Como gestora, busco cultivar a escuta ampliada e a confiança no outro para acessar todos os campos de atuação e possibilidades de transformação

 

Quando você entende que não faz sentido envolver as pessoas? 

Vejo os momentos de criação e solução de problemas como oportunidades de ter mais colaboração. A partir do momento que emerge a solução, como gestora, eu preciso tomar a decisão. Muitas vezes ela ocorre como fruto da escuta do meu time, mas se há alguma informação à qual eu tenho acesso e não posso repassar à equipe, preciso tomar a decisão sozinha.

Quando a situação exige um background técnico profundo, também não é possível compartilhar as decisões. Não dá para envolver as pessoas na decisão de quem é preciso vacinar, por exemplo – eu tenho que acatar as decisões da ciência. Quando há essa necessidade de um conhecimento técnico que não está presente no meu time, que precisa ser respeitado, eu devo agir de forma mais solitária.

 

O que ter atuado como consultora te trouxe para este novo momento trabalhando numa grande empresa?

A experiência como consultora me mudou como gestora. O consultor ouve muito, tem acesso a muitas histórias e muitas culturas organizacionais. Ele precisa, com base no conhecimento técnico, fazer extrapolações – ler o cenário, estabelecer uma hipótese e ir naquela direção. 

 Nos três primeiros anos do projeto com a Coca-Cola na Amazônia, fui muitas vezes presencialmente às localidades, conversar com as pessoas, tomar as decisões. Nos dois anos seguintes, com um time excelente constituído na localidade, eu já conseguia extrapolar o cenário a partir da voz das pessoas, do tom das mensagens no Whatsapp. 

Com certeza isso me ajudou muito como gestora, especialmente nesse momento de pandemia. Me tornei Gerente na Raízen pouco depois do início do isolamento, não tive oportunidade de conhecer minha equipe presencialmente. Precisei então acessar minhas experiências anteriores para construir o real na pandemia – tanto em relação aos contextos que lidamos, quanto aos sinais que leio das pessoas e da organização. 

 Outra habilidade que me ajuda nesse momento de isolamento é a de fazer perguntas poderosas para quem está vivendo nas diferentes localidades em que a empresa atua – para que reflitam e me tragam visões mais amplas, menos enviesadas.

 

Como tem sido fazer gestão neste período de pandemia?

Voltei a ocupar o papel de gestora de pessoas já na pandemia. Um elemento que tenho observado é que as pessoas reagem diferente a partir da tela, expressam comportamentos ora mais introspectivos, ora mais extrovertidos, por estarem na tela. Quem tem vergonha de falar em público, no modelo online, pode se sentir mais seguro para se posicionar. Acredito que essa mudança de comportamento deverá permanecer após o período de isolamento. 

Sinto falta das relações mais informais que se formam fora das reuniões – tomando um café, almoçando junto, com alguém que você encontraria no corredor. Essas relações também constituem o tecido da empresa e têm um papel importante.

 

Onde você busca inspiração, como você se informa, que tipos de cursos te atraem?

Hoje tenho clareza de que o contato que tive o privilégio de ter com povos tradicionais me inspira por suas tradições orais. A forma como me relacionei com a infância do meu filho também. Cuidar do começo da vida de alguém é a maior escola de empatia, escuta e confiança. Conectar-se com esse lugar da infância é uma oportunidade, a criança vê muitas possibilidades, me ajuda na suspensão do julgamento, algo tão difícil de sustentar. Gerir um projeto para crianças me inspira todos os dias.

Do mestrado na Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV) em “Gestão da Competitividade com Ênfase em Sustentabilidade”, me lembro especialmente da disciplina chamada Autoformação, em que estudamos Teoria U e Transdisciplinaridade, conhecimentos que passaram a ser parte da minha rotina.

Já participei da formação Art of Hosting – Arte de Anfitriar Conversas e Colher Resultados que Importam – e tenho o privilégio de ter perto de mim gente que conhece e acredita nesse formato de trabalho que envolve as pessoas.

 

Que gestores são referência para você?

Quando atuei na agenda de Educação para a Sustentabilidade, período em que Marcelo Cardoso – hoje sócio-fundador da Chie Integrates – , estava à frente da vice-presidência de RH da Natura,  tive a oportunidade de conhecer e exercitar metodologias que integram a razão experiencial e a razão sensível. Naquele momento era tudo muito inovador. Também da Natura, recordo-me das falas sempre inspiradoras do Sr. Luiz Seabra, fundador da empresa, de quem guardo, com carinho, e pratico a crença de que “a vida é um encadeamento de relações”. Guilherme Leal, copresidente do Conselho de Administração da empresa, me ensinou a importância da conexão com a natureza e a nossa ancestralidade, reforçando que os negócios são possíveis e virtuosos respeitando esse campo. Eu não vim para este planeta neste exato momento para não fazer nada. Quero ser uma boa ancestral para aqueles que virão.

 

Que conselhos você daria para outros líderes?

Quem está no meio do caminho entre o acionista, a operação e os stakeholders externos, precisa saber como levar e trazer informações na linguagem de cada público – falar a linguagem do executivo, compreender e utilizar signos que a liderança entende, e, ao mesmo tempo, acessar o que está acontecendo no campo, saber dialogar com os jargões corretos. É importante conhecer o que é valor para quem está do outro lado das conversas. 

É preciso também buscar o equilíbrio entre o tempo das mudanças organizacionais e a urgência que a sustentação da vida pede. Acredito muito na potência de transformação que grandes empresas têm.

E, por fim, não custa lembrar que o período que estamos vivendo mostra que não vamos sair dessa sem colaboração. Isso é óbvio em ações pontuais, como a importância de  ficar em casa durante a pandemia, e também se reflete em uma perspectiva mais sistêmica, como mudança em hábitos de consumo e ações para a redução da desigualdade. Da necessária filantropia que o momento pede ao desenvolvimento de negócios sustentáveis, colaborar mais do que nunca é um imperativo de sobrevivência da espécie humana.

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